sábado, março 25, 2017



Vivemos nos discursos como o peixe vive na água.
Construímos e articulamos palavras e damos sentido à realidade, aos sentimentos e à fantasia com esses.
Mas estamos a chegar ao fim, novas lógicas de poder, que também passam pela ignorância dos discursos e da sua construção com a ciência e o conhecimento começam a introduzir-se em todos os sectores da sociedade. A simplificação gerada por novos sistemas de comunicação, governar por 200 digitos, dar a mesma valia à religião e à ciência, ignorar a ciência quando essa se opõe a lógicas económicas, ignorar o peso da palavra quando a imagem, forjada pelo ecrán faz de espelho  da realidade.
Vivemos tempos em que os discursos se vão esvaziando, como os mares aumentando e alterando as suas correntes e temperatura e o degelo vão perturbando os ciclos atmosféricos e os peixes vão tendo cada vez mais dificuldades em viver, também porque as palavras em que se baseia a sua vida está poluída, degradada alterada por padrões de desenvolvimento que não tem consideração pelos discursos.
Vivemos nos e dos discursos mas cada vez mais enfrentamos muros na nossa interligação, na construção da sociabilidade e da suficiência.
Temos que resistir inventando novas formas de comunicar, dando a nossa voz e empenho sempre que podemos e não calando a palavra que vai, por razões diversas sendo cada vez mais, estando cada vez mais isolada.
Tenho, ultimamente, falado sobre alterações climáticas, energias renováveis, nuclear, petróleo, abelhas, biodiversidade, sobre o que comemos e como, sobre cultura e como manter esta é importante, porque ela é o discurso estruturado em formas diversas e vivas.
Vivemos nos discursos como o peixe vive na água.
Mas estamos como esses a sufocar.
Porque os modelos de crescimento conduzem-nos a becos sem saída de silêncio e incompreensão. Porque a organização das nossas sociedades e a sua concentração reduz os espaços de cidadania. Porque o domínio de novas tecnologias em vez de nos ter dado mais capacidade e alargado o espaço da civilização tem vindo a reduzir a humanidade ao manipular digital onde a comunicação se dispersa sem sentido.
Temos que lutar para manter os discursos vivos, temos que dar ar, dar mais ar aos nossos pulmões e romper os bloqueios, por onde os rios das nossas palavras possam encontrar continuidade e criar.
Plantar uma couve, caminhar por uma várzea ou ao longo de um rio, participar numa tertúlia, assinar e envolver a nossa palavra num acto, acarinhar o vivo e reconhecer o seu papel na formação social, são momentos onde o discurso pode romper. Por aqui e por ali.
Hoje vivemos tempos difíceis para os discursos, vivemos tempos difíceis para a espécie que os constrói e com esses a realidade, que a partir desses emergiu.
Não deixemos os discursos acabar, mantenhamos o olhar atento, o ouvido à escuta, continuemos a cheirar as flores e a sentir o vento e saboreemos a realidade, com a língua que a faz, ou pelo menos a faz para nós.
É esse, é também esse o papel dos educadores, que somos todos os que não deixamos morrer o discurso!

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