quinta-feira, agosto 04, 2011

Gravatas e aventais

In Público (4/7/2011)
Helena Matos

«Portugal é um país que adora entreter-se com aparentes futilidades - no caso as gravatas -, enquanto ilude o que é verdadeiramente importante - ou seja, os aventais.

Pelo que li, nas últimas semanas o país tem vivido uma guerra entre aventais, ou mais precisamente entre as diversas lojas maçónicas em que colocam o avental de irmãos diversos membros dos serviços secretos e de informações. Mas o que na verdade nos inebria é a decisão da ministra Assunção Cristas de abolir as gravatas no seu ministério, coisa que começou por ser apresentada como uma medida visando a poupança de energia e já vai a caminho de ser celebrada como um acto que, segundo a deputada Elza Pais, se "poderá traduzir na emergência de novas masculinidades, essas sim, fundamentais para mudar de paradigma".

Das energias tratarei noutro lugar, pois se existem muitas alternativas no que respeita às energias. O mesmo não se pode dizer dos símbolos fálicos (ao que consta as gravatas serão um símbolo fálico), coisa que até este bendito tempo nunca foi problema, antes pelo contrário, mas agora é. Vivemos rodeados de símbolos e francamente os símbolos fálicos parecemme tão estimáveis quanto os outros.

Presumo que os saltos altos nas mulheres devem ser um símbolo doutra coisa nefanda qualquer. Isto para já não falar dos soutiens, dos vestidos e das saias, que nestas coisas do simbólico o feminino é sempre mais reiterativo. Por este andar acabaremos, homens e mulheres, vestidos com aqueles fatos de poliuterano que fizeram a fortuna dos nadadores, de touquinha a cobrir os cabelos e quiçá com as mulheres cobertinhas de pêlos, pois ainda se há-de dar o bendito caso de a depilação passar a ser vista como um sinal da submissão feminina à sociedade falocrática.

Como é que dos homens sem gravata vão emergir novas masculinidades e por alma de quem é que tal coisa deverá acontecer e ainda por cima nos é apresentada como positiva é que me parece uma reactualização perigosa dos mistérios da fé. Mas não duvido que ainda vamos no princípio desta luta contra a falocracia das gravatas. E sou mesmo levada a acreditar que, caso os membros da maçonaria em vez de aventais (coisa tida como feminina) usassem uns adereços mais fálicos, talvez merecesse mais atenção o que acontece nessa sociedade de que alguns compagnons dessa route gostam de dizer que de secreta passou a discreta.

Antes de passarmos à maçonaria propriamente dita convém que faça uma declaração de desinteresse: não tenho qualquer interesse ou simpatia por sociedades secretas ou discretas e numa democracia nem percebo a sua razão de ser.

Irrita-me solenamente a presunção dumas pessoas que a si mesmas se definem como homens bons e sobretudo todos aqueles rituais de igreja a fazer de conta que não é igreja, mais os aventais e os martelos que me parecem muito, mas mesmo muito ridículos. Tal como as gravatas parecerão a outros. Mas enquanto as gravatas lá andam despojadamente no domínio do simbólico, os aventais da maçonaria movem-se cada vez mais no domínio do material.

Não há na política deste país negócio obscuro, tráfico de influências, cumplicidades entre público e privado que não nos levem à irmandade dos aventais. Para cúmulo somos também informados de que os membros dos serviços de informações têm outras lealdades para lá daquelas que devem ao país e que inevitavelmente conduzem a esse enredo de lojas, grémios e orientes.

Se alguns milhares de homens deste país se sentem felizes por andar de avental, chamando-se irmãos e dizendo-se homens bons, essa é sinceramente uma coisa que não nos diz respeito e a mim me causa particular fastio. Mas a democracia que somos tem o dever de investigar o tráfico de influências em que justa ou injustamente a maçonaria surge no cerne e muito particularmente os partidos, sobretudo o PS e o PSD, têm de ser capazes de olhar para dentro e analisar as consequências para si e para o país das cumplicidades maçónicas de muitos dos seus dirigentes.

Deixemos as gravatas em paz e já agora os símbolos fálicos e a masculinidade também, que bem precisam. E preocupemo-nos com os aventais que, ó deliciosa vingança feminina!, se tornaram no símbolo daquilo que em Portugal o poder não pode e muito menos deve ser. Ensaísta

P.S. É curioso como os jornalistas que investigam todos aqueles que por razões políticas contactaram ou foram contactados pelo terrorista de Oslo esquecem nessa averiguação os seus irmãos maçons.

Da sesta ao ar condicionado

• A decisão da ministra Assunção Cristas de abolir as gravatas no seu ministério garantiu-lhe uma revoada de boa imprensa, pois nesta medida foi descortinado um sinal de informalidade e a imprensa, como se sabe, adora informalidades. Enfim, tão formal será ter de usar gravata como ser proibido de a usar, mas passemos à poupança de energia propriamente dita.

Tenho sérias dúvidas sobre as poupanças de energia conseguidas com o facto de os homens não usarem gravata (se as mulheres usassem proporcionalmente o ar condicionado em função das especificidades do seu vestuário o consumo de energia do planeta disparava!), mas sobretudo há que registar a sorte da senhora ministra com o facto de o Verão ir anormalmente frio (umas boas almas já nos andam a avisar que o tão falado aquecimento global é capaz de vir a ser sim arrefecimento).

Caso estivéssemos nos 40° mais alguns graus do costume e o ministério de o Ambiente, Agricultura, Pescas... etc, etc. com os respectivos aparelhos de ar condicionado desligado acabaria a ter de introduzir a pausa para os funcionários devidamente desengravatados fazerem sesta ou se irem refrescar para o café mais próximo.

O que seria muito importante do ponto de vista da efectiva poupança de energia é que as construções deixassem de ser concebidas como se Portugal vivesse em eterna Primavera, delírio que as torna infrequentáveis sem o recurso ao ar condicionado no Verão e ao aquecimento no Inverno. Ou que o Ministério do Ambiente tomasse uma posição pública de condenação das opções feitas pela Parque Escolar que levaram a que tenha triplicado a factura de consumo de energia de muitas escolas.

E, já que vamos nesta dicotomia do vestuário versus consumo da energia, o Ministério do Ambiente já deixou de apoiar a campanha mais cretina do ponto de vista ambiental alguma vez vista e que visava nada mais nada menos do que erradicar os estendais da roupa dos prédios portugueses?

Quando o problema está na lei

• Recentemente o ministro da Solidariedade e da Segurança Social defendeu a desburocratização das regras para os equipamentos sociais, pois como afirmou: "Há muitas regras que hoje não se justificam e quem conhece as instituições conhece vários casos em que, por eventualmente o pé-direito ser 1,97 metros e não ser 2 metros como é exigido nas regulamentações, o que acontece é que equipamentos ficam fechados."

Não é difícil dar razão a Mota Soares: Portugal especializouse em produzir legislação de tal modo arrevesada e burocracia de tal modo cara que o resultado são instituições a funcionar abaixo da sua capacidade, como sucede na Fundação do Gil que, segundo declarou no fim de 2009 a sua administradora Margarida Pinto Correia, recebe menos crianças do que aquilo que poderia, caso a lei não colocasse como limite apenas duas crianças por quarto.

Ou então caem nas franjas da (i)legalidade, como acontece num dos melhores equipamentos para idosos existentes no nosso país, a aldeia de Alcalar, cujo responsável, o padre Domingos Costa, se recusa a pagar os custos absurdos do licenciamento, argumentando que quando uma Misericórdia gasta 100 mil euros para obter um certificado de qualidade isso é dinheiro mal gasto.

Infelizmente as consequências desse binómio legislação absurda/ burocracia cara não se ficam pelos equipamentos sociais. Confrontamonos com elas mal saímos à rua no número de estabelecimentos fechados. Porque não podem esses espaços outrora de comércio ser usados como habitação é um mistério nacional. Em muitas cidades europeias o que distingue um espaço comercial de um espaço habitacional é simplesmente a presença de cortinados. Ou às vezes nem isso, pois não são raros os casos em que os residentes do que já foi uma loja deixam que a luz e o olhar dos transeuntes penetrem na sua sala de estar.

Em Portugal tal mudança de uso é quase tecnicamente impossível. Não por causa das obras de adaptação necessárias, mas muito prosaicamente por causa da burocracia e dos custos dela. Não só o custo dos licenciamentos para transformar um espaço comercial em habitacional pode, entre nós, ultrapassar em muito os custos das obras de adaptação propriamente ditas, como as exigências burocráticas são tais que essa é uma aventura impraticável mesmo para uma autarquia.

Por exemplo, a Câmara Municipal de Lisboa tem mais de mil lojas fechadas em bairros sociais. Para lá do óbvio desaproveitamento destes espaços, muitos deles são alvo de vandalismo e transformam-se em focos de insegurança e insalubridade.

Muitos deles poderiam ser transformados em espaços de habitação, mas para isso a legislação terá de ser simplificada. E a obra no papel tem de deixar de ser mais demorada e mais cara do que a obra propriamente dita. »

Sem comentários: