terça-feira, maio 17, 2011

Estado mínimo, democracia declinante

Creio que já ninguém duvida das características ideológicas contidas no projecto de Pedro Passos Coelho. Não têm nada a ver com o ideário social-democrata: baseiam-se no breviário mais extremo do ultraneoliberalismo. Não se trata, aqui, da velha questão de conteúdo e de forma que, desde Aristóteles a Lukacs, não só enuncia um conceito de estética como atinge uma dimensão antropológica. Nem, sequer, é mera pendência de semântica. Assim como o PS nunca foi "socialista", o PSD crê na "arte de governar" cristalizada numa ordem social cegamente obediente ao paradigma do "mercado."

Menos Estado, melhor Estado, eis o lema do PSD, que contraria, de raiz, a natureza da opção genuinamente "social-democrata". De cada vez que o Estado diminui, a democracia decresce. É dos livros e é da História. Basta ler um pouco mais, frequentar a cultura humanista com mão diurna e mão nocturna para que se perceba um princípio de explicação do funcionamento social. Como, aliás, assinalou Alexandra Prado Coelho num texto admirável a vários níveis e inserto na revista Pública do passado dia 8. A cultura é uma disciplina da política. E a política um dos interesses da cultura.

A jornalista titulou o seu trabalho com esta fórmula provocatória: "As elites já não estudam Letras e talvez façam mal." Claro que fazem, como temos testemunhado nos últimos anos portugueses. As elites não o são, exactamente porque descuraram o estudo da harmonização das relações humanas. A sua existência política funda-se numa dramática ausência de conhecimento desses laços.

O que o programa do PSD propõe é que o governo não é a solução mas sim o problema, afinal perfilhando a tese da senhora Thatcher, segundo a qual "a sociedade é uma coisa que não existe, existem só indivíduos e famílias". Recorramos a Tony Judt: "Se o governo é o problema e a sociedade não existe, então, o papel do Estado é mais uma vez reduzido ao de facilitador."

Admitindo que José Sócrates é, como se diz por aí, um "incompetente criminoso", Pedro Passos Coelho seria o "idiota útil" à execução de uma política de expansão do capitalismo predador e de limitação perversa do Estado. Este ficaria reduzido a um empreendimento comercial com gestores destinados a fixar "objectivos" e a orientar as suas tarefas para o "lucro" a qualquer preço. Na minha opinião, Sócrates sempre soube muito bem o que fazia. Mas Passos saberá da camisa de onze varas em que se mete e nos pretende enfiar? As suas hesitações, a indecisão do seu discurso e a volatibilidade das suas ideias sugerem que pretende uniformizarnos a uma prática tão absurda quanto contrária ao nosso espírito, e reduzir, cada vez mais, a pluralidade das experiências comuns a uma infame mascarada. As perspectivas que se abrem aos nossos horizontes visíveis são assustadoras.



In Diário de Notícias

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