quinta-feira, setembro 23, 2010

Uma casa portuguesa com certeza

É decepcionante e triste o que se passa com a última morada de Júlio de Castilho, comummente reconhecido como o pai de todo e qualquer olisipógrafo que se preze. É sintomático da indiferença acumulada por quem tem tido responsabilidades ao comando da autarquia de Lisboa nas últimas décadas, pelo menos no que respeita à protecção e recuperação do património da cidade, e sobretudo no que à preservação da memória se lhe refere. É exemplificativo do desnorte e ineficácia das políticas cultural e de reabilitação urbana camarárias, comprovadamente ocas de directrizes pragmáticas que sejam devidamente assimiladas pelas estruturas operacionais. Mais, no que toca ao património abandonado ou em mau estado de conservação, a preocupação geral parece ser só uma, a de se colocar em local bem legível a placa: “vende-se”.

Excepção à regra, contudo, no caso da casa onde morreu o filho de Feliciano de Castilho, a qual, recorde-se, é propriedade da CML, fica à porta do que resta do antigo Paço do Lumiar, em pleno largo fronteiro ao Museu do Traje, e está emparedada há muitos anos, houve quem tivesse tido uma boa ideia há um ano, que se traduziu no seguinte:

A CML, por proposta do Pelouro do Património Imobiliário, aprovou em Setembro do ano passado a cedência do imóvel, em regime de direito de superfície, a favor do Grupo de Amigos de Lisboa, emérita instituição fundada em 1936, que ficaria assim incumbida de recuperar a casa. Acontece, porém, que os Amigos de Lisboa não terão capacidade financeira para, por si sós, assegurarem tal incumbência. Daí a situação porventura caricata de serem agora os Amigos a solicitar à CML que revogue a aprovação da ingrata proposta.

Compreendo que umas obras de reabilitação, mesmo que as de uma pequena e singela casa como esta onde Castilho faleceu, custem muito para lá das receitas de uma instituição como os Amigos de Lisboa, assentes no pagamento de quotas pelos sócios e em eventuais subsídios que lhe atribuam aqui e ali. Mais compreendo a irritação de que terão padecido no momento, perante a hipocrisia da CML ao “passar a bola” e demitir-se da responsabilidade em reabilitar um edifício emblemático, sua propriedade. Simplesmente, não haverá aqui hipocrisia de ambos?

Não será, porventura, esta proposta uma oportunidade para os Amigos de Lisboa “meterem mãos à obra”? Se a CML não tem capacidade para ela própria efectuar as obras, encontrar parceiros ou mecenas para as mesmas, muito menos imaginação para encontrar soluções viáveis para a casa, lucrativas inclusive sob vários pontos de vista, não será obrigação dos Amigos assumirem a tarefa de se substituírem à CML e, por força da sua paixão por Lisboa, conseguirem que a casa seja reabilitada e honrada a memória de Castilho? Parece-me que sim.




In Jornal de Notícias (23.09.2010)

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