sexta-feira, setembro 10, 2010

Criativos, somos todos!

Ainda que se trate de assunto porventura esquecido de muitos, ele sempre foi óbvio para todos os outros, ainda que não gurus na matéria. Convenhamos que se tem falado muito em indústrias criativas, mesmo que recentemente o tema pareça estar finalmente a passar de moda. Há quem as confunda com indústrias culturais, quando umas não passam sem as outras, bem entendido. Há também quem pense, e bem, que aquelas, ambas, até, são fundamentais na tal “alavancagem” (será que passou no acordo ortográfico?) de auto-estima e “empreendedorismo” (idem) de que o país precisa e que permitirá, espera-se, por exemplo, a verdadeira reabilitação urbana, uma maior oferta e um comércio forte às nossas cidades, a começar pela Baixa Pombalina. Resumindo, foram-nos apresentadas como a “pólvora”.

Infelizmente, contudo, não houve ainda meio de as fazer passar do “powerpoint” das parangonas de conferências, palestras e seminários mais diversos (propagadas por gurus e políticos, e absorvidas pela retina de plateias deslumbradas com os bonecos e as cores projectadas), à realidade. Infelizmente, também, não faltam criativos incapazes de enxergar para além do que o computador lhes providencia e permite manietar, esquecendo-se do essencial: sempre tivemos indústrias criativas e todos somos criativos, só falta o resto.

Ora, não serão exemplos criativos maiores e de cadeia de valor, económica, social e cultural, a actividade de encadernar e dourar livros, com tudo o que ela acarreta de produção de ferros de douramento, ouro fino, fornecedor de pele de muitas coisas a começar da borracha dos pneus deitados ao lixo; papéis e telas de várias cores e usos? Ou a ilustre profissão de alfaiate que vai desaparecendo à medida que vai encarecendo compreensivelmente o produto final, porque não há onde procurar tecidos, botões, pesos para a abertura de trás de um “blazer”, ou giz para provas, porque já não há fabricantes em Portugal?

Indústrias criativas podem ser, entre outras: arquitectura, turismo, publicidade, design, “multimédia”, mas também gastronomia, joalharia, marcenaria, relojoaria, encadernação, carpintaria, etc. Artes e ofícios do antigamente, actualizadas aos tempos modernos. Se com elas se potenciar a criatividade individual de cada qual, a propriedade intelectual, contributos decisivos para o desenvolvimento económico, social e cultural de todos. Universidade e escola são vitais para o “input”. Só que a realidade é bem diferente, mais uma vez. Num tempo em que relógios da moda, coleccionáveis, quando avariam são para deitar para o lixo pois não se pode “violar o seu invólucro”, e os altares das igrejas são pintados a Robbialac (passe a publicidade), lá virá guru dizer, com razão, “impossible to make omeletes without eggs”.




In Jornall de Notícias (9/9/2010)

1 comentário:

Anónimo disse...

Foi noticiado que o vereador da mobilidade vai mandar instalar na capital radares a fingir, só para o pessoal ficar assustado e circular mais devagar.

Isto não será criatividade?

(Só que, como é evidente, é criatividade idiota: em menos de nada circulará pela net a lista desses radares; e, além disso, os que existem também são a fingir, pois é sabido que a polícia municipal não consegue processar as multas por excesso de velocidade).