sábado, julho 10, 2010

Dignificar é preciso

"Os caminhos da Justiça
Por Francisco Teixeira da Mota - PUBLICO

O que custa ver é que a Justiça continua a não resolver os problemas das pessoas de forma minimamente satisfatória

A lentidão da justiça e a sua incapacidade para resolver os problemas dos cidadãos está a atingir dimensões verdadeiramente alarmantes. E com esta constatação não se pretende negar o trabalho sério e esforçado da maior parte dos nossos magistrados e funcionários judiciais.

A verdade é que o sistema funciona muito mal e premeia de uma forma quase sistemática aqueles que não cumprem com as suas obrigações, violando as leis sejam elas civis ou penais. E, por isso mesmo, custa ver o Ministro da Justiça, que deve ter consciência do serviço que os tribunais prestam aos portugueses, anunciar que o custo da Justiça vai aumentar.
(...)
Claro que nunca houve uma "idade de ouro" da nossa justiça, na verdade, sempre ela pecou por lenta e tardia. Mas o que custa ver é que, apesar de todas as inovações tecnológicas, indiscutivelmente louváveis, apesar de todos os investimentos em instalações e na formação das pessoas, a Justiça continua, demasiadas vezes, a não resolver os problemas das pessoas de uma forma minimamente satisfatória.

A expressão "vale mais a pena um mau acordo do que uma boa demanda" é muito antiga e traduz uma "filosofia" que encerra alguma razoabilidade, mas quando se torna num princípio através do qual se nega sistematicamente a possibilidade real de justiça, arrepia. Quando os infractores, pequenos, médios e grandes, sabem que, dada a lentidão e a ineficácia das leis e do sistema judicial, a sua impunidade é um dado adquirido, o pacto social começa a perder legitimidade. Recentemente, um governante regional, confrontado com uma qualquer actuação ilegal, respondeu ao seu interlocutor desafiando-o a recorrer aos tribunais: nem daqui a dez anos teria o seu problema resolvido...

Despejar uma pessoa que não paga as rendas continua a ser uma odisseia. Encontrar um devedor e conseguir que o mesmo pague o que deve uma sorte. Um qualquer "presumível" vigarista pode continuar a enganar as pessoas, sem quaisquer bens em seu nome mas com familiares com vasto património.

A nível de políticos e autarcas, as histórias que correm pelo nosso pais são lamentáveis. De vez em quando, há um ou outro sobressalto, mas, rapidamente, se cai na rotina habitual. Lembro-me de que há algum tempo, por exemplo, se falou de um inquérito a um qualquer autarca do Norte que, ao fim de anos e anos de "investigações", tinha sido arquivado, o que causou um certo escândalo. Na altura, creio que o Conselho Superior do Ministério Público determinou a instauração de um inquérito, já não sei bem se ao modo como tinha sido conduzido o anterior se, de novo, ao autarca. Estou certo, no entanto, que seria um inquérito que "seria levado até às últimas consequências, doa a quem doer". Nunca mais se soube de nada.

Como me dizia há uns anos, com sabedoria, o meu patrono e amigo Jorge Fagundes: "Sabe, isto da idade, contrariamente ao que dizem, não nos traz sabedoria, nem distanciamento... Traz-nos, sobretudo, falta de paciência".

Se é indiscutível que é melhor ter um criminoso à solta que um inocente preso e que o sistema penal deve assegurar o respeito pelas garantias da defesa e pela presunção da inocência, a verdade é que, muitas vezes, falta a paciência perante a inoperância do sistema. Os nossos processos, tanto criminais como cíveis, continuam cheios de ritualismos e formalismos desnecessários. Se, por exemplo, é pedida uma perícia médica, corre-se o risco (ou o benefício) de se esperar anos pela mesma, ficando o processo parado. E mesmo no aspecto dos avanços tecnológicos, fica-nos uma estranha sensação de amargo ou de falta de paciência quando constatamos os seus inúmeros falhanços. Sobretudo quando nos lembramos dos negócios feitos à volta da modernização dos tribunais. Por exemplo, as videoconferências falham frequentemente, porque o sistema não funciona, ou porque o sistema do tribunal de Lisboa é mais avançado do que o de uma qualquer comarca do interior, gerando incompatibilidades do género "temos imagem, mas não temos som". Ainda me lembro de umas aparelhagens que cresceram como cogumelos pelos nossos tribunais e que nunca foram utilizadas. Claro que as videoconferências são um excelente avanço em relação ao sistema medieval das cartas precatórias enviadas para os tribunais da residência das testemunhas, em que os seus depoimentos eram reduzidos a escrito de forma muitas vezes incompreensível ou inútil. Mas quando se ouve dizer que na Holanda, em vez de se optar por instalar um sistema de videoconferência em cada um dos tribunais do país, como se fez no nosso, se optou por meia dúzia de centros com instalações seguras e fiáveis, falta-nos a paciência para apurarmos se seremos mais ricos ou mais espertos do que os outros.

No campo criminal, poder-se-ia, por exemplo, pensar em avançar, dentro da lógica norte-americana, com as negociações das penas ou transacções semelhantes, mas, como é evidente, os arguidos só teriam interesse em negociar penas reduzidas se houvesse um risco real de lhes serem aplicadas penas rigorosas em tempo útil. No fundo, para além da saudade do mestre, ficamos com um pouco menos de paciência. "

1 comentário:

Julio Amorim disse...

Resignando....suspeito que este texto (tirando a tecnologia) seja (também) bastante actual lá para 2040....