quinta-feira, maio 27, 2010

Belém redescoberta

Nem há cinco anos o Governo, pela mão de inefável ministro, anunciou a quem o quis ouvir uma tal de “Belém Redescoberta” como “a maior intervenção urbana em Lisboa com objectivos turísticos-culturais desde a Expo’98”. No meu lirismo, cri que a preocupação fosse de facto essa e não os construtores “ancorados” no evidentemente dispensável novo Museu dos Coches, crente porque uma mão cheia de pareceres técnicos dos anos 90 repudiava claramente a ideia de se colocar o picadeiro real no actual museu. Ainda por cima porque a própria escola de Alter tem projecto em marcha, e bem, para o quartel da Cavalaria 7, na Ajuda.

Cri que o objectivo era dar vida nova a Belém, devolver-lhe alma e chama. Dignificar os equipamentos culturais e as actividades económicas. Acabar com o caos dos automóveis, elevado à enésima potência não por causa do pastel semi-industrializado mas pelos dias de música grátis e de entrada livre na colecção do Sr. Comendador. Acreditei num investimento a sério no fabuloso Jardim Colonial e no arranjo paisagístico junto ao obrigatório Museu de Etnologia. Na recuperação do “teatrino” do Belém Clube. Na reutilização do importante quartel do Conde de Lippe. Na criação de melhor espaço público, aquém e além linha do comboio. Europeizar o comércio tradicional, a começar pelo sapateiro Barroso. Cri até que o celebérrimo relógio de sol, de âncora enferrujada junto à fonte luminosa, fosse recuperado. Mas não, apenas se agravou o que já era grave.

Construiu-se, PDM suspenso, nos sistemas de vistas de Pedrouços e, de forma caricata, na Doca do Bom Sucesso. Destruiu-se património modernista na Rua de Alcolena e de antanho na casa do governador do Forte do Bom Sucesso. Sem apelo nem agravo, tal como se demoliram as OGME, cedendo ao “bulldozer” contratualizado e oficializando como consumado um novo Museu dos Coches, mas ignorando quatro coisas: o picadeiro não vai para o actual museu, o efeito dominó inevitável nos museus vizinhos, a recomendação do Ministério da Defesa para que as preservassem, e a evidência de que a haver necessidade de um novo museu em Belém esse só poderá ser o de Arqueologia. Pelo meio houve um pacóvio movimento não de redescoberta mas de “achamento” de Belém. Tentou-se, ainda, demolir o Museu de Arte Popular em prol da popular virtualidade dos contemporâneos, e arrumar os “pedregulhos” dos arqueólogos na Cordoaria como se de um barracão se tratasse e não de MN, e logo em leito de cheias.

Valeram-nos duas coisas: o nosso “achador” riscou do mapa um tal de silo automóvel com 5 andares junto à estação fluvial de Belém, e a nova Ministra da Cultura, numa atitude de bom senso, não pactuante com o revisionismo histórico de quem a precedeu, deu por segura a manutenção do Museu de Arte Popular. Convenhamos que é pouca redescoberta.





In JN (25/5/2010)

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