domingo, agosto 10, 2008

"Os Coches voltam a estar na berlinda" Texto de opinião hoje no PÚBLICO



Os Coches voltam a estar na berlinda -PUBLICO - 10.08.2008

O Museu dos Coches é o museu mais visitado de Portugal. A sua popularidade resulta da localização, dos coches - cujas "estrelas da companhia" são os três coches triunfais da embaixada real ao Papa Clemente XI, ditos "dos Oceanos", "do Embaixador" e "da Coroação de Lisboa" - e do próprio edifício do antigo Picadeiro Real. O que nos leva a questionar os porquês e consequências de um novo museu, a construir nas Oficinas Gerais de Material do Exército (OGME), a nem 50 metros do actual museu, onde está agora o Instituto Português de Arqueologia, que será desalojado.
1. Dos objectivos
Dizem que o actual museu deve voltar a ser picadeiro, albergando a Escola Portuguesa de Arte Equestre e com espectáculos ao jeito dos Lippizzaner de Viena. Certo, e os pareceres técnicos são para deitar para o lixo? E se o projecto for avante, qual o futuro do actual museu? Salão de festas alugado a quem der mais? Será parte integrante da Presidência da República? E a escola equestre não fará mais sentido no quartel do Conde de Lippe, na Cç. Ajuda, em pré-hasta pública?
A ideia de "trasladar" os coches remonta a Santana Lopes na Secretaria de Estado da Cultura, quando deixou como herança a M. M. Carrilho, recorde-se, a factura da compra das antigas instalações das OGME. Seguiu-se um período de "banho-maria", em que se contiveram as pressões de meio-mundo para que o cavalo lusitano regressasse ao edifício do antigo picadeiro. Vários pareceres de quem de direito [Instituto Português de Museus, Museu Nacional dos Coches, LNEC, Instituto José Figueiredo e Istituto Centrale per il Restauro (Roma), do Ministero per I Beni Culturali e Ambientali], em 1996, 1997 e 2000, sobre as implicações que poderiam decorrer para o edifício e para a sua ornamentação da transformação do salão nobre do museu em picadeiro, foram inequivocamente contrários a essa reinstalação, o que foi determinante para suspender o processo. Por isso, são inaceitáveis o silêncio do actual ministro da Cultura e a omissão do Governo sobre estas matérias. Pareceres que eram negativos por variadíssimas razões, todas actuais: a estrutura do salão nobre é altamente sensível às variações termo-higrométricas resultantes da colocação de bancadas, presença maciça de público, reforço da iluminação, rede de águas e esgotos. A boa conservação das pinturas é incompatível com espectáculos equestres regulares e com um picadeiro. Também não existiam estudos de impacto da permanência da estabulação de cerca de 60 cavalos, nem de sanidade pública nem de tráfego. Do outro lado da rua, nas antigas OGME, a situação é parecida: para o Ministério da Defesa, estas tinham uma "importância histórica e patrimonial extraordinária e uma grande qualidade urbana". Em 2008, já não pensa assim? E a recomendação municipal para que as edificações existentes fossem mantidas? E o Ippar, que assinalava as OGME como tendo uma "notável cobertura de ferro e uma forte espacialidade". E o regime das normas provisórias do Plano da Área Monumental de Belém/Ajuda?
Em 2006, o governo anunciou o projecto Belém Redescoberta, referindo-se ao novo museu como "projecto-âncora" da iniciativa. Passado pouco tempo, eis outro "objectivo estratégico" para a urgência do novo museu: as comemorações do centenário da República, em Outubro de 2010, facto em si mesmo contraditório - os coches são reais, as berlindas da República são os automóveis.
Passemos ao arquitecto. Não só não houve qualquer concurso público (já vai sendo hábito) como parece que o ajuste directo terá sido feito ao sabor dos gostos pessoais de quem decidiu, independentemente da reconhecida qualidade do arquitecto escolhido, o consagrado Paulo Mendes da Rocha, atenuante que, contudo, não justifica o "despotismo esclarecido".
2. Dos coches
Os três coches triunfais são os mais belos e opulentos do mundo, não fossem eles de D. João V. Acontece que dois deles estão a desfazer-se, literalmente, e apenas um, o "dos Oceanos", foi recuperado, às custas de outra obra de regime, a Expo-98. O Governo anunciou que iria proceder à recuperação dos outros dois mas dez anos e vários governos depois, nada.
Governo dixit: há que trazer para Lisboa os coches de Vila Viçosa. Mas a Casa de Bragança já foi ouvida? (disposições testamentárias de D. Manuel II). E esses coches não são idênticos (e de menor) valor aos de cá?
3. Do projecto
Quanto custa? Aquando do anúncio do projecto Belém Redescoberta foi dito que o novo museu custaria 10 M? (1/3 das contrapartidas financeiras do casino). Em Abril passado, aquando do contrato com o arquitecto brasileiro, 27 M?.
No mês passado (por força da subida do preço do crude?):
31,5 M?. Cinco dias depois:
31,7 M?. Ou seja, à razão de 40.000?/dia, teremos em 2010 custos finais dignos de Ramsés II.
Sobre o projecto propriamente dito, houve apenas uma exposição, com os "bonecos do costume". Serão dois corpos dispostos em cotovelo: o maior, defronte à estação da CP, para os coches, e o mais pequeno, na esquina R. Junqueira/Cç. Ajuda, para os serviços administrativos. Ambos suspensos 4,5 m acima do solo e ambos com 12 m de alto, o que implica um museu com 16,5 m (igual a um prédio de 6-7 andares!) e um forte impacto na envolvente, violando a Zona Especial de Protecção e as vistas do Palácio de Belém.
Mais, "unindo a cidade e o rio" haverá uma ponte pedonal de 180 m de comprido, que atravessará a linha-férrea e os céus. Ora o plano de reconversão da frente ribeirinha não prevê o enterramento da linha de comboio até Algés? Finalmente, junto à estação fluvial de Belém, o ex-líbris do projecto, o "monumento" à berlinda dos tempos modernos: um silo automóvel with a view. Cilíndrico e majestoso. Porque o "milhão" de visitantes que se prevê para o novo museu não abdicará do seu coche, como diriam nuestros hermanos. E porquê aí, onde há árvores de grande porte, e não junto à Cordoaria? Não será um edifício com frente muito comprida uma forma de desordenamento urbano?
E que dizer da simples mudança de local que, por incrível que pareça, significará passar o museu de uma zona de baixa vulnerabilidade sísmica para uma "zona vermelha"?
Quererão os lisboetas um novo Museu dos Coches? Quererão um silo automóvel sobre o Tejo, numa zona repleta de transportes públicos? Serão de aceitar as declarações do actual ministro da Cultura, dizendo que este projecto não é seu e não contribuindo com uma linha para o debate, quando a rede de museus está uma lástima e os palácios nacionais precisam todos de reforma?!
Ficamos a aguardar pelo bom senso de quem decidiu, pois ainda há tempo de corrigir prioridades!
Ficamos a aguardar pelo debate, até porque não se trata de Brasília mas de Belém!
Lisboa merece e os lisboetas exigem!
Paulo Ferrero, Bernardo F. Carvalho, Rui Valada, etc. (pelo Fórum Cidadania Lx)
e personalidades como Morais Arnaud, Quartin Graça, António Eloy, Regina Anacleto e José d'Encarnação

1 comentário:

Bic Laranja disse...

Mais simples fazer das O.G.M.E. um hotel, como se diz agora, de charme, e aumentar o preço dos bilhetes no museu dos coches. Talvez fosse roubo menos descarado que o negócio que se entrevê.
Cumpts.