sexta-feira, fevereiro 15, 2008

Políticos ou garotos

Em Portugal nada parece ser explicável que não seja por corrupção, tráfico (e tráfego...) de influências e favorecimentos

Quero começar por fazer um aviso aos comentadores encartados, e em regra insultuosos, que surgem nos jornais on-line e nos vários fora radiofónicos diários. Este artigo é politicamente incorrecto e pode por eles até ser usado para demonstrar que aquilo que vou estigmatizar tem no meu texto a prova cabal de que devem continuar a agir como até aqui.

Este artigo, apesar de politicamente incorrecto, procura ser pedagógico. Não se dirige especialmente ao amável leitor, que vive a sua vida com a normalidade possível e que poucas possibilidades tem de tomar decisões relevantes para a colectividade. Dirige-se a políticos, a magistrados do Ministério Público, às várias polícias de investigação e aos meios de comunicação social.

De há algum tempo a esta parte, sobre tudo e todos nascem como cogumelos (venenosos) em floresta as notícias sobre hipotéticas situações de corrupção provável, tráfico de influências possível, favorecimentos eventuais.

Durante muitos e muitos anos eram raras as referências à realidade da corrupção e desses outros defeitos sociais (recordo que já em 1988, num debate feito pela Alta-Autoridade contra a Corrupção, denunciei e alertei, sem que os media a isso dessem a menor atenção) e poder-se-ia daí concluir que em Portugal não havia corrupção.
Recentemente, passou-se de um extremo ao outro e, de repente, em Portugal nada parece ser explicável que não seja por corrupção, tráfico (e tráfego...) de influências e favorecimentos.

Para esta evolução contribuíram muitos factores. Mas posso garantir - pois vi muitas coisas e lutei contra elas - que nesses tempos, em que não se falava e não se alertava, havia muito mais disseminados esses defeitos sociais do que actualmente. Seja como for, um dos factores mais relevantes desta evolução é sem dúvida a explosão da concorrrência entre os meios de comunicação social, o incremento do jornalismo de investigação, as novas tecnologias de comunicação, as dificuldades económicas por que passam cada vez mais pessoas em Portugal e sobretudo a entrada da (pseudo) ética na luta política.

Sobre o apetite e o esforço dos media e sobre a epidérmica atitude das massas populares fica a reflexão para outro dia. Desta vez quero concentrar-me na grande novidade que é a utilização das insinuações e dos pedidos de sindicâncias como arma da luta política. Realmente, de há algum tempo a esta parte, cada grupo político que alcança o poder parte do princípio de que os seus antecessores eram desonestos e prevaricadores; e as forças políticas que estão habitualmente na oposição, essas, acham que todos o são nos sucessivos tempos em que exercem o poder político.

Esta atitude tem inevitáveis efeitos deletérios. É actualmente raro o dia em que um político no activo não afirma que vai pedir uma sindicância, que quer analisar todos os processos que foram aprovados por outros políticos, que desconfia de ilegalidades, que não encontra justificação para comportamentos. Os atingidos, quiçá compreensivelmente, avançam com outros pedidos, desta vez sobre políticos que estiveram nos cargos antes deles, e assim sucessivamente.

O que se passou recentemente a esse nível com a Câmara Municipal de Lisboa é paradigmático. Durante algumas semanas, cada força política decidiu coligir (e propagandeou de imediato para a praça pública) listas infindáveis de processos em relação aos quais - sabe-se lá porquê - considera haver razões para suspeições. A certa altura já eram dezenas ou centenas os exemplos de decisões e de processos que foram objecto de deliberação na autarquia ao longo de bem mais de dez anos (e amanhã até Duarte Pacheco ou quem sabe à última vereação monárquica de Lisboa) que foram divulgados. Como é evidente - porque politicamente ficaria condenado quem votasse contra sindicâncias, inquéritos, análise, apreciações - tudo foi votado e durante meses (ou mesmo anos) muitos políticos vão ter o seu nome enlameado e muitos cidadãos e empresas vão ser sistematicamente (ou sempre que convenha a alguém) arrastados pelas ruas e insinuadamente considerados culpados de suspeições várias. E, muito provavelmente, Lisboa vai ficar paralisada enquanto se tenta descobrir irregularidades por todo o lado.

Isto não é luta contra a corrupção e vai ter como efeito exactamente o oposto do que hipoteticamente se admita que era pretendido. Mas fica disseminada como uma epidemia a sensação difusa e difundida que tudo é feito com desonestidade e ilegalidade. E isso está a destruir os cimentos da vida social. Confrontados com este exercício público de flagelação, que colectivamente se torna num processo de autoflagelação das elites, a opinião pública vai cada vez mais descrer de que haja ainda alguém que seja sério no mundo político ou que ainda haja empresas que actuem com ética na sua relação com os poderes públicos.

E isto não vai ficar por aqui. A seguir, as forças políticas vão exigir acções de indemnização contra anteriores titulares de cargos públicos. Já se fala que Carmona Rodrigues vai ser alvo de um pedido de indemnização de 13 milhões de euros por causa da Bragaparques. O mandato de Helena Roseta em Cascais não está livre de sindicâncias. Todos os dias ouço dizer que, tendo sido a Câmara Municipal de Lisboa condenada a pagar 17 milhões de euros pela paragem da obra do túnel do Marquês de Pombal, José Sá Fernandes devia ser accionado pela CML para se ressarcir de tal custo.

Por tudo isso daqui faço um apelo: tenham juízo, tenham maturidade, tenham cautela, tenham modos, tenham lucidez. Deixem de brincar ao boxe no meio da chuva. Não chavasquem nos lamaçais que criam. Portem-se como pessoas crescidas. Advogado



José Miguel Júdice

In Público

7 comentários:

Anónimo disse...

Desta vez estou completamente de acordo com Júdice.

Dizer aos Lisboetas que vão ser analisados pela lupa técnico-jurídica da câmara 69 projectos urbanísticos é de quem manifestamente se não enxerga e quer fazer passar os outros por parvos.

Há limites para a maluqueira e o desplante.

Anónimo disse...

Polémica acesa, com a resposta de HR. Giro.

Anónimo disse...

Ora isto escrito por uma advogado não é tão "politicamente incorrecto", mas mais "politicamente encomendado". Lisboa vai ficar paralisada..."vai" ficar????

Por favor não chavasquem nos lamaçais que criam....pois pode salpicar e, sujar o fato de alguns.
O melhor é ficarmos todos de pantufinhas, a ver a telenovela, e a suportar um dos países mais incompetentemente (des)governados
da Europa. Tenha juízo Sr. advogado.

JA

Anónimo disse...

"um advogado"...sorry

JA

Anónimo disse...

Se ele diz que "Em Portugal nada parece ser explicável que não seja por corrupção, tráfico (e tráfego...) de influências e favorecimentos", quem sou eu para o contrariar. Ele deve saber do que fala porque anda sempre tão bem informado e metido nos ditos que vão desde a haut cuisine até aos negócios de ver o mar ou melhor o Tejo...

Anónimo disse...

Ele lá sabe do que fala................

Anónimo disse...

Agora até de "tráfego" ele percebe...


Pena é que assine simplesmente como "Advogado" e não como "Advogado sénior, ex-Bastonário, mas apesar disso castigado na sequência de um processo disciplinar que lhe foi movido pela sua própria Ordem profissional".



Como se vê, um especialista eminente em... "doentologia"!