sexta-feira, junho 15, 2007

aguaceiros



Caro Professor Marcelo Rebelo de Sousa,


"Se há cidade onde não faz sentido defender a bicicleta com as sete colinas é Lisboa. (...)

Andar de bicicleta em Lisboa, teoricamente é impossível (...)".


Achei extraordinário que o Professor tenha feito estas afirmações no passado Domingo a propósito da acção do candidato António Costa. Não querendo aqui defender o candidato em causa, devo dizer que é irresponsável e ineficaz usar a bicicleta como arma de arremesso político. Quem o tentou no passado, sabe bem que há grandes probabilidades de a bicicleta lhe cair em cima. Mais extraordinário ainda para um ex-candidato à câmara e, por isso mesmo, com a responsabilidade de conhecer bem Lisboa.


Como também já afirmou, é infelizmente habitual em Portugal haver quem fale de tudo, inclusivamente do que não sabe. Admito que sobre este assunto não saiba que não sabe. No entanto ao fazer esta afirmação está por em perigo os ciclistas que existem em Lisboa, não encoraja a forma de transporte mais eficiente que existe em termos energéticos e ocupação de espaço, desacredita para Lisboa um modo de transporte que não contribui para a emissão dos Gases de Efeito de Estufa, não contribui para as centenas de mortos e feridos que acontecem todos os anos na cidade mas contribui para a saúde de quem usa e quem não usa.


Existem muitos Lisboetas que usam a bicicleta como meio de transporte diário e habitual, tal como é normal em muitas cidades da União Europeia e não só nos países planos do Norte. Lisboetas que desafiam quotidianamente a "impossibilidade teórica" de que falou e que a partir de agora passarão a sofrer de uma grave crise existencialista! Se o Sr. Professor tiver por habito andar de carro pela cidade, admito que nunca tenha reparado que as Avenidas Novas são um imenso planalto que se estende até às novas urbanizações da Alta de Lisboa, que as margens do rio Tejo são planas e que é perfeitamente possível, com as bicicletas actuais, usar os vales e as cumeadas de Lisboa para chegar a qualquer sítio. Bairros como Campo de Ourique, Alvalade, Arco do Cego, etc. são perfeitamente cicláveis por qualquer pessoa, seja qual for a sua condição física. O perigo relativo são os automóveis - só nos faltava agora comentaristas a "ajudar". Entre os vales e cumeadas deveria a Carris, uma empresa pública que não lhe deveria dar ouvidos, proporcionar formas confortáveis de transportar as bicicletas dentro ou fora dos seus veículos e elevadores - como aliás é normal em muitas cidades da Europa. Em todos estes percursos, deveriam os candidatos à Câmara de Lisboa, que não lhe deveriam dar ouvidos, actuar de forma a criar condições de circulação seguras para todos os modos de transporte.


Poderá não saber, mas a bicicleta hoje já não pode ser tomada como um instrumento lúdico e recreativo, mas sim um modo de transporte urbano que precisa ser promovido como alternativa. Este facto é claramente postulado pela União Europeia que tem agora competência normativa em políticas de transporte. No entanto, a própria Comissão reconhece que o seu ponto de vista é infelizmente frequente entre quem decide – com o álibi da orografia ou outros, a bicicleta “é demasiadas vezes negligenciada como modo de transporte, embora 50 milhões de viagens (isto é, 5% do total) sejam feitas diariamente em bicicleta em toda a Europa", afirma um documento recente da Comunidade Europeia. Felizmente existe em toda a Europa uma preocupação em fomentar o uso da bicicleta tanto por razões urbanísticas, ambientais ou simplesmente para a promoção da saúde pública. Neste último aspecto, salienta-se que no caso de Portugal ainda há um grande caminho a percorrer e o Sr. Professor não ajudou a fazer caminho. Antes pelo contrário.


Por vezes não é necessário atirarmo-nos ao Tejo para meter água. Acontece a qualquer um que se aventure por águas que não conhece. Aproveito para o convidar a participar todas as últimas Sextas-feiras de cada mes na Massa Critica - uma coincidência organizada de bicicletas que se realiza em centenas de cidades em todo o mundo. É no Marquês do Pombal às 18:00 horas. Apesar de tudo, tenho a certeza gostará do ambiente festivo e será muito bem recebido.


Cordialmente,

Mário J. Alves

12 comentários:

Anónimo disse...

"Andar de bicicleta em Lisboa, teoricamente é impossível..."

...só se for por falta de vias apropriadas, um tráfego selvagem e automobilistas idem, uma falta de tradição total, etc., etc.
Uma bicicleta moderna com 20 e picos de mudanças, um coração e condição física normal... e qual é o problema das colinas? Podem-se ainda fazer muitos trajectos em Lisboa, sem passar por colina nenhuma. No norte da Europa usa-se a bicicleta em pleno inverno, em temperaturas negativas, e com ou sem neve. Melhor falar de CLIMAS...pois esse nosso, é óptimo para o uso deste excelente meio de transporte.

JA

Jorge N. disse...

Grande resposta! Os utilizadores de bicicletas agradecem.
O Professor, nesta última "prova oral", merecia um chumbo em Formação Cívica, ou ficar uma semana de castigo sem falar. Acredito que vai "dar o braço a torcer". A maior dificuldade em fomentar a bicicleta em Lisboa não é o relevo, é a cultura ainda dominante que vê no automóvel o mais forte símbolo do sucesso individual e na bicicleta um sinal de pobreza ou moda ambientalista. Embora nem sempre tão seguro como seria desejável, tenho comprovado (quase) todos os dias que o transporte por bicicleta é não só uma forma de deslocação bastante rápida (sobretudo para percursos não muito longos - 1, 2...4...Km) como uma das melhores maneiras de apreciar Lisboa.

Prezado disse...

É bom lembrarmo-nos que para o uso da bicicleta passar da pontual voltinha-dentro-de-campo-de-ourique, todas estas medidas teriam de ser aplicadas ( e sou a favor delas ), porque Lisboa não é mesmo uma cidade de relevo indicado para andar de bicicleta . É preciso irmos as terras verdadeiramente planas neste país - estou a lembrar-me da zona da Murtosa, p. ex. - para encontrar uma quantidade substancial de pessoas que a usam como transporte alternativo, e não falo de urbanos de 20/30 anos, mas de gente de todas as idades. Agora , vejo é muitos obstáculos ( mais ciclovias, mais civismo, etc.) a vencer até lá... Sim, andar em Lisboa de bicicleta é (quase) impossível.

Mario J Alves disse...

Olá,

Antes de mais parabéns pelo excelente blog sobre a cidade que não conhecia! Ficamos a conhecer uma Lisboa diferente.

Depois para perguntar quando foi a última vez que andou pela cidade de bicicleta. Não pergunto para o testar, porque concordo que há outras zonas do país onde é mais fácil andar de bicicleta, mas porque há uma teoria que quem não usa pensa sempre que é pior - aliás é assim sobre os transportes públicos, que não são bons, mas não tão maus como pintam as pessoas que nunca os usam. :-)

Por isso mesmo acho que vale a pena, ver estes percursos de pessoas, uma pequena minoria é verdade, que usam diariamente a bicicleta na cidade. Bem mais que uma voltinha-dentro-de-campo-de-ourique. Então o imenso planalto das Avenidas Novas, só para dar um exemplo. Sei que é necessário uma alteração mental sobre a cidade, mas sobre isso há quem saiba escrever melhor que eu! :-) E já agora, a segurança dos ciclistas não se consegue com mais ciclovias. Obrigado pelo comentário.

Prezado disse...

Obrigado pelas simpáticas palavras, Mario.

Realmente há uns anos que não ando de bicicleta pela cidade,( os transportes públicos, esses não falho, e não são tão maus como os pintam ), aqui usei a experiência de um familiar que anda regularmente. Quando dou como parte da solução as ciclovias, é porque a tal alteração mental me parece mais dificil de implementar do que uns simples separadores extra nas ruas, que sempre asseguram um pouco mais a nossa integridade fisica. Quem anda de moto todos os dias já tem a vida complicada nesse aspecto, imagino as bicicletas...

Paulo Ferrero disse...

Essa foto das bicas de antanho defronte à CMC é muito engraçada. E, olha, se gostas de Cascais, aqui vai outro blogue/movimento: Cidadania Csc. Qto ao comentário de MRS, pois o Prof. tem destas coisas, ora dá uma no cravo, outra na ferradura. Deve ser porque é mais cascalenses que alfacinha, ou então da má qualidade da água na Praia da Conceição;-)

Abraço
PF

Anónimo disse...

"Melhor falar de CLIMAS...pois esse nosso, é óptimo para o uso deste excelente meio de transporte."

Sim? Trinta e muitos graus - cada vez mais a roçar os quarenta sem que isso seja já uma verdadeira novidade - no Verão. De bicicleta, vindo de um qualquer subúrbio/dormitório e, por exemplo, de fato e gravata (como mandam as convenções, goste-se ou não, para o exercício de não poucas profissões), sob um clima verdadeiramente mais impiedoso do que doce...

É que há, por estranho que pareça, quem não more perto do local de trabalho (fala-se e escreve-se tanto na desertificação da cidade). Diria mesmo que poucos têm essa sorte. E o facto - o resto são conjecturas; desejos louváveis que não se vê como concretizar num horizonte realista - é que os transportes públicos mal chegam para o transporte com um mínimo de decência das pessoas (nas horas mais importantes para esse efeito, pelo menos), quanto mais das suas bicicletas.

Há alguma ilusão por aqui, receio. E se ela é indispensável à vida, acima de certa dose pode levar à produção de afirmações dificilmente sustentáveis.

Costa

Anónimo disse...

Sr. Costa !

Experimente com 10 graus negativos, e depois diga qual prefere.
Parece-me que a Europa do norte vive em grande "ilusão", dado o alto numero de ciclistas que se ve por cá. Alguns ministros do actual governo sueco deslocam-se diariamente para as suas funções....de bicicleta, e não creio que trabalhem de calções e T-shirt. O uso da bicicleta é uma OPÇÃO, para os que podem, e os que querem. As dificuldades / impossibilidades "Made in Portugal", nunca nos serviram para nada.


JA

Anónimo disse...

Sr. (Sra?) JA!

Deslocam-se certamente, esses ministros, de bicicleta. Por cidades bem mais tranquilas, aprazíveis, calmas e silenciosas do que a nossa desgraçada Lisboa. E, já agora, com 10º negativos sempre se pode usar roupa interior isotérmica, umas boas luvas, etc. Com trinta e muitos, sob um Sol abrasador, debaixo de uma poeirada infernal, numa cidade que encerra toda a confusão "própria" da latinidade, fora toda a outra que decorre de décadas de crimes de urbanismo, diga-me: que tirar para arrefecer um pouco?

Ou melhor, não me diga, mantenhamos este diálogo dentro de limites de decência...

Cumprimentos,
Rui

Anónimo disse...

....nem todos os dias do ano fazem 10 negativos em Estocolmo....nem todos os dias do ano fazem 30 e muitos em Lisboa. Primeiro as colinas...depois o calor (?), obstáculos para os que os desejam......nada mais.
Lembra-se dos estafetas da Marconi...? entregavam telegramas todos os dias do ano....em toda a Lisboa.... de bicicleta.

"que tirar para arrefecer um pouco?"
humm....talvez a "latinidade"....e os "crimes de urbanismo", para começar. Talvez criar uma Lisboa bem mais "tranquila, aprazível, calma e silenciosa", para que os nossos ministros um dia também possam escolher o meio de transporte que mais lhe agrada.


JA

Anónimo disse...

No fundo, caro JA, nem estamos em campos opostos. Creio que nos separa apenas o grau de esperança na redenção desta cidade. Esperança que me parece bem mais forte em si do que, definitivamente, o é em mim.

Para mim, salvo medidas de uma extrema violência para quase toda a gente que habita - ou que migra, em movimento de vaivem - Lisboa, a cidade não é recuperável num horizonte visível. Não o é a não ser num, bem lento, progresso que tomará gerações e que nem foi ainda, quanto a mim, começado.

De outra forma, "cortando a eito", em busca de resultados imediatos no espaço de pouco tempo, com medidas vistosas, o que se fará será ferir legítimos interesses, orientados de certa fora - errada, talvez (ou certamente!) - porque, décadas a fio, não houve outra forma de os orientar.

Será deixar sem alternativas e imputando-lhe culpas imerecidas (dá sempre jeito um bode expiatório, bem sei: lava as consciências bem pensantes), quem tendo que vir trabalhar na cidade - porque quase tudo aqui ainda está concentrado -, foi atirado para cada vez mais longínquos, saturados e deprimentes subúrbios, tendo que cumprir violentos horários e percursos.

Lisboa - a Grande Lisboa - não tem, nem terá tão depressa, uma rede de transportes públicos sobre a qual possamos dizer, mantendo a seriedade e sem reserva mental, que reúne as condições necessárias para se poder falar numa limitação do transporte privado que se não revele uma verdadeira violência para muita gente. E para com isso se conseguir, por exemplo, ruas mais tranquilas e mais apropriadas para se utilizar a bicicleta.

Se não mesmo para, apenas, caminhar.

Quanto à "latinidade": pois é, justifica muita coisa que não devia justificar. Nem é coisa de que me orgulhe, pois é legitimação de deficiências de formação, de educação, de "cidadania", como é agora moda dizer, que demorarão gerações a corrigir. E não me parece que um esforço sério de sua correcção tenha, sequer, começado.

Os "crimes de urbanismo" foram perpetrados décadas a fio. Impunemente. Permita-me, sabendo que não será o mais apropriado citar um exemplo pessoal (mas ainda assim), notar que moro numa rua lisboeta, mas recente. Terá pouco mais de dez anos e é essencialmente residencial. O prédio tem oito. Na rua - estacionados carros numa e noutra bermas (o que, permita-me, é apenas normal) - dificilmente se cruzam dois automóveis. Um automóvel e um autocarro, é coisa que requer especial perícia. Dois autocarros não se cruzam.

No prédio apenas uma bem escassa porção das fracções tem direito a mais do que um lugar de estacionamento, na garagem. Tendo em conta o tipo de habitações em causa (perdoe a imodéstia), prever lugar para apenas um automóvel - prever e, bem pior!, aprovar um tal projecto - é, pelo menos, lamentável. E eu insisto, só há crimes, ou pelo menos bem duvidosos critérios de urbanismo, porque alguém o permite. Precisamente quem tem por obrigação impedi-los.

Repare que não falo de uma ocupação saturante e excessiva de uma qualquer zona histórica da cidade. Não. Falo de uma zona nova, de recente urbanização. Já seriamente subdimensionada quando foi construída e que, evidentemente, manterá ou agravará essas falhas durante dezenas e dezenas de anos.

E, creia, vêm aí mais crimes de urbanismo, enquanto as autarquias portuguesas estiverem sistematicamente falidas e tiverem nas receitas ligadas à construção a sua principal fonte de receitas.

Onde quero chegar? Aqui: há muito, muito para fazer; e muito, muito tempo a esperar, até que se possa falar em usar a bicicleta como política de transporte urbano seriamente apresentada, fundamentada e convincente.

Não basta pôr as pessoas a andar de bicicleta "porque sim" e estigmatizar quem anda de carro como fonte de todos os males (a menos que adoptemos certas políticas ao estilo de revoluções culturais ou planos quinquenais que a história desacreditou à evidência).

Há que refazer toda uma cidade - no plano material e no plano das mentalidades. Demora, é uma maçada, mas demora, gerações.

Demorará gerações para que Lisboa, mantendo o seu encanto (o que ainda consegue ter), tenha a civilidade de, para citar o seu exemplo, Estocolmo (não falo evidentemente da orografia; deixemos esse assunto para a agilidade física de cada um).

Isso, lamento, não se impõe por decreto. Talvez se vá conseguindo, faseadamente, por sucessivos, espaçados e graduais decretos. Mas ainda nem verdadeiramente começou.

Já não é para nós.

Costa

Anónimo disse...

A Pedalnature foi criada com a ideia de que a bicicleta é para todos, criámos um projecto que ensina a pedalar ou seja começamos mesmo da estaca zero a ensinar a andar de bicicleta.
Em qualquer idade desde os 6 anos e com qualquer peso desde que não exista qualquer diagnóstico que o defina com falta de equilibrio.
E ainda para maior comodidade deslocamo-nos até si!!
Quanto a percursos perto de Lisboa, organizamos passeios de bicicleta em percursos de 10 Km a efectuar por um periodo de 5 horas para todos os que a forma fisica não prospera mas que o gostinho de andar de bicicleta vive no interior do nosso corpo.
Falo das matas entre o Carregado e a Ota aquelas que avistamos do nosso lado esquerdo quando circulamos na A1 no sentido Sul- Norte.
Agora já não existe desculpa para a falta de resistencia, conosco ninguem fica para trás.
Cumprimentos a todos os CICLISTAS E FUTUROS CICLISTAS.
Defendemos tambem a utilização da bicicleta em Lisboa e ao longo dos tempos concluimos que cidades Europeias como Nápoles tem uma inclinação superior a Lisboa e uma taxa de utilização de bicicleta tambem superior em 30%.

Rui Luis Pratas
www.pedalnature.com