segunda-feira, maio 14, 2007

CONFLITOS REGIONAIS

Não está fácil a vida do poder local. Em Lisboa, Carmona Rodrigues é um homem encurralado, o general no seu labirinto a brincar aos soldadinhos de chumbo. No Reino Equatorial da Madeira, Alberto João Jardim garantiu mais um mandato a um reinado vitalício que faz sombra às proezas de Fidel Castro na Sierra Maestra. E no Algarve, uma criança raptada murchou as atenções e os sorrisos das amendoeiras em flor. Agora o jet set está aterrorizado com a perspectiva de ter de adiar ou cancelar a inauguração da sua temporada balnear (e isso inclui as respectivas festas).

Lisboa vive uma situação original: Carmona não se demitiu, o que significa que ele ainda está no poder, o que significa que ele continua a fazer aquilo que fazia antes, que era absolutamente nada. Crise, qual crise? No fim de semana em que foi sugerida a sua demissão, Carmona desapareceu de circulação. Os jornais disseram que ele foi para Inglaterra participar numa reunião de motards. Eu acho que “desaparecer de circulação” é o mesmo que “atravessar o túnel do Marquês”. Alguém já circulou no túnel do Marquês? De todos os túneis mal feitos da cidade (e isso inclui o túnel ferroviário do Rossio, em obras há anos), este bate todos – e neste garantidamente muita gente vai bater. O túnel do Marquês é deficiente a um nível profiláctico: até os condutores portugueses têm medo de circular, por isso vai tudo a 20 à hora. Quase que dá para sair do carro, beber um café nas Amoreiras e ver o Carmona a alugar um DVD no Blockbuster.

Na Madeira, Alberto João Jardim ganhou novamente as eleições de uma forma avassaladora. O povo é soberano e não se fala mais nisso. Mas, sem querer ofender os insulares, gostaria de recordar a maioria dos portugueses que foi para estas situações que Deus inventou as ilhas (aliás uma das mais conhecidas chama-se Alcatraz). Eu nunca fui à Madeira, mas imagino que seja assim como a ilha da série de televisão Lost, só que com muito mais sobreviventes. Dou os parabéns aos seus habitantes por sistematicamente elegerem para governar alguém que nunca convidariam para jantar.

Costuma dizer-se que um crime não é nada bom para limpar um cadastro. No caso do Algarve, o rapto da menina inglesa parece mesmo uma manobra de contra-programação. Em vésperas de ser lançada a nova campanha turística destinada a promover internacionalmente a região do Allgarve, o desaparecimento da pequena Madeleine é aquilo a que se chama bad timing. De Inglaterra vinham os turistas - agora vêm os repórteres, os investigadores e até algumas acusações infelizes às autoridades nacionais. É em tempos de crise que se descobre a fibra e o carácter das pessoas. Alguns idiotas referem, com uma certa razão, que se tivesse sido uma criança portuguesa a desaparecer, o caso não teria metade da atenção mediática. Outros, menos cruéis, serão pessoas para antecipar a ruína turística que esta situação vai criar em todo o Allgarve. E quem diz Allgarve, diz Portugall. Não se pode culpar a geografia dos países pelos defeitos dos homens, mas o que fica dos homens que caem por terra marca de forma irresoluta a geografia que eles pisaram e as crianças que nela hão-de nascer.

Miguel Somsen

In Metro

Sem comentários: